16 abril 2006

“ Em 1944 minha mãe e eu voltamos a Moscou. Aí, pela primeira vez em minha vida, tive a oportunidade de ver os inimigos. Se não me engano eram 25 000 prisioneiros alemães que deviam atravessar, numa só coluna, as ruas da capital.
Todas as calçadas estavam apinhadas de gente cercada pelos soldados e pela milícia. Na sua maioria, a multidão era constituída de mulheres.
Mulheres russas, de mãos deformadas pela dureza do trabalho, com lábios sem batom, ombros magros sobre os quais repousava o peso essencial da guerra. De cada uma delas, provavelmente, os alemães haviam levado um pai, um marido, um irmão ou um filho.
Elas olhavam com ódio na direção de onde se esperava a coluna de prisioneiros.
Então, esta apareceu.
Na frente, marchavam os generais, trazendo levantados os maxilares maciços, e os ângulos dos lábios contraídos, desdenhosos. Assim, queriam reafirmar a sua aristocrática superioridade sobre a plebe que os havia vencido.
As mãos calejadas das mulheres russas se fechavam coléricas quando eles passavam.
- Fedem à água de colônia, esses sujos! – gritou alguém na multidão.
Os soldados e os milicianos tiveram que se apoiar em toda a força de seus corpos para impedir que as mulheres rompessem a barragem.
No entanto, de repente, algo aconteceu com a multidão.
Chegavam os soldados alemães, magros, sujos, Barbados, as cabeças envoltas em ataduras ensangüentadas, apoiados em muletas ou nos ombros de seus camaradas. Passavam cabisbaixos.
Um silencia de morte se instalou na rua. Não se ouviu nada a não ser o lento arrastar dos seus sapatos e de suas muletas.
Vi uma matrona usando grandes botas russas colocar a mão no ombro de um miliciano.
- Deixe-me passar.
Havia algo na voz daquela mulher. Diante do tom imperativo, o miliciano abriu-lhe o caminho. Ela se aproximou da coluna e tirou de seu blusão um pedaço de pão preto cuidadosamente envolto num lenço. Deu-o a um prisioneiro exausto, que se sustentava com dificuldade.
De repente, outras mulheres seguiram seu exemplo e começaram a jogar pão e cigarros aos soldados alemães vencidos.
Não eram mais os inimigos.
Eram, agora, homens.”

Eugênio Evtuchenko - Autobiografia Precoce

2 Comments:

At 4:36 PM, Anonymous Anônimo said...

belo texto companheiro.. sempre a ver como o tudo muda...
beijo

Nefertari

 
At 7:43 AM, Blogger Dalva M. Ferreira said...

Ai, Vianna, que medinho!!!! Pois eu acabei de "psicografar" ontem à noite, um poema justamente sobre o horror da guerra que eu nunca vi !!!!!! E hoje, como primeira visita, venho ao teu blog, que é o derradeirinho na minha lista de links e o que eu vejo? Esse texto tão tocante: abri o bué aqui, não tenho pejo de confessar!

Um beijo, amigão.

 

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