13 dezembro 2005

Viajar? Para viajar basta existir.
Vou de dia para dia, como de estação para estação,
no comboio do meu corpo, ou do meu destino,
debruçado sobre as ruas e as praças,
sobre os gestos e os rostos,
sempre iguais e sempre diferentes,
como, afinal, as paisagens são.

Se imagino, vejo.
Que mais faço eu se viajo?
Só a fraqueza extrema da imaginação justifica
que se tenha que deslocar para sentir.

"Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl,
te levará até ao fim do mundo".
Mas o fim do mundo, desde que o mundo
se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl
de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo,
como o principio, é o nosso conceito do mundo.
É em nós que as paisagens tem paisagem.
Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são;
se são, vejo-as como ás outras.
Para que viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China,
nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo,
e no tipo e gênero das minhas sensações?

A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes.
O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

Fernando Pessoa