26 junho 2006

Orfeu Rebelde

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam os rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.

Autoria: Mário de Sá-Carneiro
www.astormentas.com

23 junho 2006

Lembra

Lembra?
Daquelas verdes tardes.
Tua falta era lembrada.
Teu corpo não estava ao meu lado.

Lembra?
Tu fosses sempre minha
E por descuido, em um acaso,
Eu sei que te perdi.

Lembra?
As nossas puras vontades,
Por serem puras
Foram vorazes.
Foram castigo
e um viver.

Vianna

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Teimosia

Saio de cena,
me agarro à pena,
de asa ou pluma
o que quero é a bruma
de um amanhecer.

Essa maneira simples
de enfrentar a vida.
Esse sono constante
E o objetivo mutante
do que vou ser.

Não caminho em linha.
Minha alegria?
Minha alegria é rinha
E a teimosia de te querer.

Vianna

09 junho 2006

Satisfeito

Os avessos à pirataria que me perdoem, mas divulgo aqui uma música muito legal que faz parte do disco Universo Ao Meu Redor, Marisa Monte.
Clique aqui para baixar!

Satisfeito

Você me deixou satisfeito
Nunca vi deixar alguém assim
Você me livrou do preconceito de partir
Agora me sinto feliz aqui

Quem foi que disse que é impossível ser feliz sozinho
Vivo tranqüilo, a liberdade é quem me faz carinho
No meu caminho não tem pedras nem espinhos

Eu durmo sereno e acordo
Com o canto dos passarinhos
Eu durmo sereno e acordo
Com o canto dos passarinhos

02 junho 2006

Embriaguem-se

É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.



Enivrez vous

Il faut être toujours ivre. Tout est là : c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du Temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre,il faut vous enivrer sans trêve.
Mais de quoi? De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise, Mais enivrez-vous, Et si quelquefois, sur les marches d'un palais, sur l'herbe verte d'un fossé , dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l'ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l'étoile, à l'oiseau, à l'horloge, à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est; et le vent, la vague, l'étoile, l'oiseau, l'horloge, vous répondront : "Il est l'heure de s'enivrer! Pour n'être pas les esclaves martyrisés du Temps, enivrez-vous; Enivrez-vous sans cesse ! De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise."


Autoria: Charles Baudelaire
Pequenos Poemas em Prosa (Petites Poèmes en Prose), de 1862
http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet003.htm
http://www.geocities.com/cumbucapoetica/cb/flores.html