28 abril 2006

Da discussão para cutucar a falta de inspiração

Comentei com a Denise, uma grande amiga, que não estava tendo idéias para escrever e ela resolveu fazer uma pequena brincadeira que rendeu o texto abaixo, a quatro mãos. Em azul é meu e em preto é dela.

Chamado a Yeti

Volta, amado das sombras frias,
de dentro das geleiras solitárias,
já vem o inverno...
Vais entrar em hibernação?
Ou vais fazer do frio uma razão
para que em mais versos tua alma enrijecida se aqueça,
em meio a odes a Baco e a Odin?

Do frio trago aconchego,
do fogo inspiração.
Nesse limiar, crio um caminho,
Corda de equilibrista.
A verdadeira pergunta é:
Para que lado pende a crista?

Falas como um surfista
ou senhor da rinha de galo?
Quanto à corda, equilibrista,
se precisares te empresto uma sombrinha, colorida.
Pra que, no lúdico espírito,
volte meu amigo poeta
ao seu ofício.

Retorno de graça e às graças.
Transponho temores,
canto os amores.
Do barulho busco a música.
Vivo a mesa rasgada,
suspiro pelo joelho.
Sou demente ou poderoso.
Vivo a terra e o horizonte.
Um objetivo nunca é demarcado
e não cabe em uma resposta.

Mia pequena alma agradece

(levantando as costas...)

Que bom que o Yeti,
meio solitário na caverna gelada,
veio dar o seu ar...
Terei mais dele
quanto mais baixo o termômetro marcar.
Deve ser ótimo, na CNTP à quatro graus,
com um bom tinto seco, Cabernet Franc.

25 abril 2006

Ausência

Pessoal, não abandonei este espaço. Apenas um ausência temporária de inspiração. Motivo?

"É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas, pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não.
..."

"...
Mas deixe a lâmpada acesa
Se algum dia a tristeza quiser entrar
E uma bebida por perto
Porque você pode estar certo que vai chorar"

16 abril 2006

“ Em 1944 minha mãe e eu voltamos a Moscou. Aí, pela primeira vez em minha vida, tive a oportunidade de ver os inimigos. Se não me engano eram 25 000 prisioneiros alemães que deviam atravessar, numa só coluna, as ruas da capital.
Todas as calçadas estavam apinhadas de gente cercada pelos soldados e pela milícia. Na sua maioria, a multidão era constituída de mulheres.
Mulheres russas, de mãos deformadas pela dureza do trabalho, com lábios sem batom, ombros magros sobre os quais repousava o peso essencial da guerra. De cada uma delas, provavelmente, os alemães haviam levado um pai, um marido, um irmão ou um filho.
Elas olhavam com ódio na direção de onde se esperava a coluna de prisioneiros.
Então, esta apareceu.
Na frente, marchavam os generais, trazendo levantados os maxilares maciços, e os ângulos dos lábios contraídos, desdenhosos. Assim, queriam reafirmar a sua aristocrática superioridade sobre a plebe que os havia vencido.
As mãos calejadas das mulheres russas se fechavam coléricas quando eles passavam.
- Fedem à água de colônia, esses sujos! – gritou alguém na multidão.
Os soldados e os milicianos tiveram que se apoiar em toda a força de seus corpos para impedir que as mulheres rompessem a barragem.
No entanto, de repente, algo aconteceu com a multidão.
Chegavam os soldados alemães, magros, sujos, Barbados, as cabeças envoltas em ataduras ensangüentadas, apoiados em muletas ou nos ombros de seus camaradas. Passavam cabisbaixos.
Um silencia de morte se instalou na rua. Não se ouviu nada a não ser o lento arrastar dos seus sapatos e de suas muletas.
Vi uma matrona usando grandes botas russas colocar a mão no ombro de um miliciano.
- Deixe-me passar.
Havia algo na voz daquela mulher. Diante do tom imperativo, o miliciano abriu-lhe o caminho. Ela se aproximou da coluna e tirou de seu blusão um pedaço de pão preto cuidadosamente envolto num lenço. Deu-o a um prisioneiro exausto, que se sustentava com dificuldade.
De repente, outras mulheres seguiram seu exemplo e começaram a jogar pão e cigarros aos soldados alemães vencidos.
Não eram mais os inimigos.
Eram, agora, homens.”

Eugênio Evtuchenko - Autobiografia Precoce

07 abril 2006

DIÁRIO DE UM APAIXONADO V

Na falta de inspiração, republico um texto ótimo do Carpinejar.

DIÁRIO DE UM APAIXONADO V

O apaixonado é um obsessivo. Pode ficar uma noite inteira repetindo o mesmo gesto como se fosse novo.

* * *

Dormir é de menos. Emenda noites seguidas. O apaixonado não dorme, desmaia.

* * *

O apaixonado muda de lugar no restaurante e esquece os óculos.

* * *

É um preguiçoso, vai escolher uma música ou um poema para dizer o que sente.

* * *

O guarda-chuva é o chapéu dos apaixonados. Melhor ainda se for uma sombrinha verde.

* * *

É um consumidor contumaz das coisas que não prestam.

* * *

Passa a se amar mais, tanto que o amor próprio é o único rival de sua paixão.

* * *

O apaixonado é um viúvo alegre.

* * *

Jamais toma sopa.

* * *

Quando o apaixonado começa a falar de admiradoras secretas, o caso já é público.

* * *

Debruça o tronco na mesa sem as mãos. Como uma marionete.

* * *

O apaixonado duvida do que ele mais acredita. Finge duvidar para ouvir outra vez.

* * *

Sua memória é a do peixe.

* * *

Pensa o pior para viver melhor, antes pensava o melhor para viver o pior.

* * *

O apaixonado faz diálogos sem edição. Encontra um motivo para falar de quem está amando mesmo sem motivo.

* * *

O gosto da boca do apaixonado não se altera conforme a comida. Pode vir espinafre que continua bom.

* * *

Termina a relação toda hora para sempre recomeçar.

* * *

Está somente doente para o trabalho.

* * *

O apaixonado cheira a sexo mesmo quando não transou.

* * *

Está enterrado entre dois seios.

* * *

"Apesar de tudo" não existe para o apaixonado, só para os conformados.

* * *

A poesia pode aparecer antes ou depois do sexo, nunca durante.

* * *

A ansiedade do apaixonado é a de um fanático.

* * *

Corrige o que foi dito com o suspiro.

* * *

Não consegue ser sucinto, nem escrever um telegrama ou um epitáfio.

* * *

Não procura sentido para a vida, basta não ter sentido para vivê-la.

* * *

Facilita denúncias. Conta unicamente para sua paixão o que não podia contar.

* * *

Tudo o que não fez numa vida completa em uma noite.

* * *

O apaixonado mente para melhorar suas verdades.

* * *

Tem o estranho hábito de não ter hábitos.

* * *

Não lê jornal. Tanto faz o mundo.

Fabrício Carpinejar
http://www.carpinejar.blogger.com.br

03 abril 2006

Erro

Na minha vida o erro é admirado.
O vacilo é construção.
Quando caio, acerto.
Quando esbarro, transponho.
Muros são objetivos de uma vida.

Eu erro sim! E tu?
Ah... Que maravilhosa ilusão
Essa tua perfeição utópica.
Enquanto inventas manobras
E mentiras, eu crio, canto, amo
E vivo o pior da minha boemia.

Viva o erro!!

Vianna